É madrugada, o sol ainda não despontou e uma multidão já toma as
ruas. Vão os atrasados, os estudantes, os industriários, pessoas com poucos recursos;
o sapato quase rasgando, roupa fora de moda... é o melhor que eles têm.
No fundo, sabem que vai chegar o dia em que tudo dará certo; vai ser como um
tiro certeiro... na mosca! Será como tirar a sorte grande, como um gol aos
quarenta e seis minutos... na gaveta!
A maioria segue seu caminho, a eterna rotina que
se estende por longos anos. Como são muitos - agrupam-se – e, juntos,
sobrevivem às devassas. Agremiados, criam sua própria gíria e seu dialeto é
forjado em palavrões, gestos obscenos. Baseiam-se na força e subjugam o
lado sensível, temeroso de serem incompreendidos. Externam as suas emoções em
trajes provocantes, usam tatuagens, estampas exóticas em manifesto ou em
protesto contra uma causa que nem eles próprios sabem definir. Conhecem o
submundo, os vícios, as drogas; sabem da dor e da solidão. Escravos do
sistema, envolvem-se com qualquer propaganda. Falam alto, são exagerados,
admiram Stallone, Van Damme; veneram os mitos que fazem tudo
aquilo que eles são incapazes de fazer. Mesmo sendo obra fictícia, deixa-os
extasiados porque os "caras são demais, arrebentam"!
Criativos, fazem a própria moda; "curtem"
o que é soft, "transam" tudo o que é diet, gostam de
samba, de funk, de pagode e de tudo o que é divertido, lascivo e
provocante. Divertem-se com os deboches, gostam do "rala
coxa". Destemidos, são guerrilheiros que doam seu sangue por tão pouco.
Constituem a maioria nas festas, nas filas, nos hospitais. É a massa que
alimenta o comércio, as indústrias; é a mão forte que mexe o concreto, que
trabalha a terra e a faz produzir. São os alicerces da sociedade, aptos para
o trabalho pesado onde a tecnologia se faz improdutiva. Crescem desordenados,
com dentes cariados, sorrisos tímidos, envolvidos de malícia, porque os
homens só se fazem sinceros quando se veem acuados; e, se a vida não lhes
confiou fortunas, os “macetes" para a sobrevivência eles os têm desde a
infância.
O horóscopo do dia afirma que haverá surpresas;
que alguns passam pelo inferno zodiacal. Outros estão na fase dos grandes
amores e há aqueles que se sentem no paraíso astral. Jornais e revistas
reservam espaço em suas publicações. Trazendo presságios para todos vai
despertando a situação ambígua que influencia as pessoas, as ideologias, os
grandes "lances", o mundo empírico de cada um e que os leva a uma
busca constante e infrutífera de sua real personalidade. Que Paraíso seria
esse se há coisas grotescas acontecendo?...Também não é Inferno, pois têm
momentos inesquecíveis e, por serem humildes, desconhecem suas forças e o
que poderiam fazer por seus mundos. Nesse paradoxo, passam pela
vida, repetindo chavões e bordões inexpressivos. Possuem, no entanto, uma
certeza: logo chegará o dia em que não será necessário conquistar as coisas
no "grito"; será como tirar a "sorte grande", uma grande
"tacada", uma flecha certeira... na mosca!... Tão agradável
como uma bola metida no ângulo, aos quarenta e tantos minutos...
Indefensável!... é só esperar.
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