terça-feira, 16 de setembro de 2014

Suburbanos.


     É madrugada, o sol ainda não despontou e uma multidão já toma as ruas. Vão os atrasados, os estudantes, os industriários, pessoas com poucos recursos; o sapato quase rasgando, roupa fora de moda... é o melhor que eles têm. No fundo, sabem que vai chegar o dia em que tudo dará certo; vai ser como um tiro certeiro... na mosca! Será como tirar a sorte grande, como um gol aos quarenta e seis minutos... na gaveta!
A maioria segue seu caminho, a eterna rotina que se estende por longos anos. Como são muitos - agrupam-se – e, juntos, sobrevivem às devassas. Agremiados, criam sua própria gíria e seu dialeto é forjado em palavrões, gestos obscenos. Baseiam-se na força e subjugam o lado sensível, temeroso de serem incompreendidos. Externam as suas emoções em trajes provocantes, usam tatuagens, estampas exóticas em manifesto ou em protesto contra uma causa que nem eles próprios sabem definir. Conhecem o submundo, os vícios, as drogas; sabem da dor e da solidão. Escravos do sistema, envolvem-se com qualquer propaganda. Falam alto, são exagerados, admiram Stallone, Van Damme; veneram os mitos que fazem tudo aquilo que eles são incapazes de fazer. Mesmo sendo obra fictícia, deixa-os extasiados porque os "caras são demais, arrebentam"!
Criativos, fazem a própria moda; "curtem" o que é soft, "transam" tudo o que é diet, gostam de samba, de funk, de pagode e de tudo o que é divertido, lascivo e provocante. Divertem-se com os deboches, gostam do "rala coxa". Destemidos, são guerrilheiros que doam seu sangue por tão pouco. Constituem a maioria nas festas, nas filas, nos hospitais. É a massa que alimenta o comércio, as indústrias; é a mão forte que mexe o concreto, que trabalha a terra e a faz produzir. São os alicerces da sociedade, aptos para o trabalho pesado onde a tecnologia se faz improdutiva. Crescem desordenados, com dentes cariados, sorrisos tímidos, envolvidos de malícia, porque os homens só se fazem sinceros quando se veem acuados; e, se a vida não lhes confiou fortunas, os “macetes" para a sobrevivência eles os têm desde a infância.
O horóscopo do dia afirma que haverá surpresas; que alguns passam pelo inferno zodiacal. Outros estão na fase dos grandes amores e há aqueles que se sentem no paraíso astral. Jornais e revistas reservam espaço em suas publicações. Trazendo presságios para todos vai despertando a situação ambígua que influencia as pessoas, as ideologias, os grandes "lances", o mundo empírico de cada um e que os leva a uma busca constante e infrutífera de sua real personalidade. Que Paraíso seria esse se há coisas grotescas acontecendo?...Também não é Inferno, pois têm momentos inesquecíveis e, por serem humildes, desconhecem suas forças e o que poderiam fazer por seus mundos. Nesse paradoxo, passam pela vida, repetindo chavões e bordões inexpressivos. Possuem, no entanto, uma certeza: logo chegará o dia em que não será necessário conquistar as coisas no "grito"; será como tirar a "sorte grande", uma grande "tacada", uma flecha certeira... na mosca!... Tão agradável como uma bola metida no ângulo, aos quarenta e tantos minutos... Indefensável!... é só esperar.