sábado, 13 de agosto de 2016

Sol Poente.

     "Ser idoso não é um desejo ou um castigo, mas uma condição imposta pela Natureza a todos os seres vivos que habitam sobre a terra".

Sol se pondo na Serra da Mantiqueira.
   Vinda do nada uma pomba aparece, voa entre as árvores e pousa na praça. Com seu andar entrecortado, sua atenção é para os restos deixados na grama. O lugar é conhecido e nada a amedronta: nem os cães, os gatos ou as pessoas que ali frequentam. Ela é alvo de atenções diárias.
   Como aquela pomba, seus admiradores também já voaram pelos quatros cantos do mundo em sonhos, conheceram a solidão, as guerras e as transformações da humanidade que, como o mar, é inquieta num vai e vem constante. Fizeram famílias, lançaram suas sementes ao vento. Algumas vingaram, outras se perderam entre as “ervas” daninhas. Sofreram perseguições e seus credos os decepcionaram. Tudo ruiu com a revolução dos hábitos. Tantas verdades eles defenderam e viram cair por terra os seus ideais. A modernidade avançou de forma desenfreada. A sabedoria era como um conta-gotas que, aos poucos, ia pingando sobre as mentes ilustres. De uma hora pra outra, transformou-se num jato que inunda os povos.
   Leais defensores de Getúlio ainda guardam aquela notinha de dez cruzeiros, desvalorizada, onde estampa a imagem do imponente gaúcho, além do quadro exposto na sala de estar.
    Os militares se renderam ao clamor da liberdade, mas os libertos não entenderam o significado dessa conquista. Com isso, os idosos estão perdendo na guerra da competição.
   Omitem-se quando o assunto é polêmico; ignoram se o tema é sobre laqueadura ou vasectomia. A cesariana ainda os convenceu porque a juventude é cheia de manias e comodismo. Rejeitaram os anticoncepcionais e os preservativos: tinha que ser ao natural e de luz apagada; se a viagem era íntima, o escuro favorecia o tato trazendo um clima de suavidade e segredo. Já não há tantos partos caseiros como outrora; “a mãe do corpo” tem nome próprio; o “mal dos sete dias” está controlado e as mulheres estão menos “criadeiras”...
   Dos feitos da infância pouco se lembram. O futuro é, e sempre será, uma incógnita. Tantos anos se foram. Quanta luta?... Com o declínio da libido, os ânimos se acalmaram porque há menos agressividades e as lembranças dos maus momentos foram superadas. O tempo, agora, é de confraternização, de rever as coisas simples: o café com leite trazido direto do curral; ovos vindos do ninho, a broa assada no fogão a lenha, a linguiça e o toucinho pendurados no “fumeiro”, apanhar jabuticaba uma a uma, ouvir Noel Rosa num disco de 78 RPM ou Nelson Gonçalves e seus momentos mais inspirados.
   Há momentos de tristezas quando se lembram das pessoas que foram dizimadas pelas moléstias, da fome e da miséria que assolam oo mundo. Mas o conselho dos anos tem mostrado que tudo o que é bom ou ruim acaba passando. Assim, a viroses, como toda a moléstia, um dia vai passar. Um dos poucos fatos que talvez não vá tão cedo são as lembranças dos momentos em que deixaram de seguir as ordens do coração.
Quem já provou de tantos vinhos e se embriagou de fel, merece um tempo. É hora de rever os planos, de ficar a toa; de contemplar sua obra, relembrar dos velhos amigos e suas fantasias. O mesmo sol de tantos anos ainda brilha no firmamento. A lua, fiel confidente de seus devaneios, enfeita a noite estrelada. Não importa se com passos lentos, semblantes cansados... A chama da vida mantém-se acesa; então, alegrem-se! Ser idoso não é um desejo ou um castigo, mas uma condição imposta pela Natureza a todos os seres vivos que habitam sobre a terra. Revejam suas roupas alegres, seus ternos de linho e abusem das alegrias. A sua contribuição física para o mundo, nesta vida, está concluída. E, como o oceano não se julga pelas marés ou pelas ressacas, assim como a árvores são consideradas pelos frutos que produzem; também os homens são alvo de júri, não pelo nascer ou pelo limiar dos anos, mas, pelo bem ou mal que protagonizaram nessa vida. Aos demais cidadãos, cabe a responsabilidade de providenciar meios que deem à sábia idade, o direito de envelhecer em paz.

   Alheia às conclusões dos transeuntes, aquela pomba andarilha permanece na praça. Entretanto, todos sabem que a qualquer momento ela alçará voo, fará seu verão e partirá ...para sempre!

A Joaquim T. Nascimento, meu pai e meu melhor amigo, *1924  + 2005..