domingo, 28 de setembro de 2014

Utopia.

Os heróis estão a postos. Do nada surgiram e ocupam todos os cantos do País. Muitos retornam após quatro anos de extrema dedicação à causa humana. Os esforços não os abatem e, mesmo sendo meros mortais, enfrentam as intempéries climáticas sem perder a expressão de bondade estampada nos rostos seguidos de gestos delicados e simpáticos. São modernos guerreiros que não medem esforços no combate às dificuldades. A cada biênio é assim; por um determinado tempo as coisas se ajeitam. Ondas de benignidade assaltam as cidades fazendo emergir obras, até antes emperradas, inaugurações faraônicas; o inusitado acontece. E todos clamam numa só voz: “É o fim do desemprego! A segurança plena é um direito de todos! A educação será de primeiro mundo! Nota dez para a saúde; adeus à marginalidade e aos preconceitos! Virá aumento gradativo de salário, a ascensão dos aposentados, o fim da mortalidade infantil, a elevação geral do nível de vida e os transportes atingirão níveis nunca vistos. Modernos ônibus circularão onde só os tatus, munidos de chuteiras, atravessavam!”
Soam trombetas e, com elas, disparam as carreatas. Legião de adolescentes desfila pelas ruas. Distribuem “os santinhos” e muita simpatia. Tudo pelo social! Cada esquina apresenta sua atração: festas grandiosas são promovidas nas comunidades, shows variados todas as noites, peonadas e sempre, por mera coincidência, tem alguém a lembrá-lo de que ele é a pessoa indicada para os maiores cargos. Com todo esse aparato, o “povão”, esquecendo a barriga “no fundo” e as incertezas do amanhã, sente-se feliz. Nesse clima de comemoração, ignorando preconceitos, os semblantes se amenizam e os homens se abraçam (e como se abraçam!).
Apesar de todas as fiscalizações, em cada quarteirão, os soldados do Apocalipse mantêm-se nas placas, e com seus “e-mails”, facebooks espalhados pelas esquinas e residências. Suas armas letais são: a arte de tampar o sol com a peneira e a habilidade de ocultar o pó por sob o tapete vermelho que os pés descalços e eufóricos, transpõem. “Época das vacas gordas!”, dizem os iludidos. O que não se comenta, é que segundo o sonho profético, do mesmo Nilo de onde saíram vacas gordas, sucederam-se as vacas magras e famintas...




sábado, 27 de setembro de 2014

Adeus ao Pracinha.


Neste dia 27 de setembro seguiu viagem o último Pracinha que viva entre nós. O herói Orlando Rodrigues de Camargo encerrou sua trajetória vitoriosa. Deixa a irmã, esposa, filhos, netos e inúmeros amigos. A partir de hoje a nossa saudade aumenta e o Esquadrão Vitorioso está novamente reunido.
O.R.C
Saudações aos Combatentes in memoriam:
Abílio dos Passos
Benedito Claudino dos Santos
Benedito da Fonseca
Daulindo Pinto
Francisco da Silva
Francisco Miranda Melo
Indionor dos Santos
João Duarte
José Cursino dos Santos
José Francisco de Melo
Jurandir Nepomuceno da Silva
Laurentino Marcelino de Morais
Moacir Albino Wuo
Orlando Rodrigues de Camargo
Paulo Fatigatti de Morais
Pedro de Souza
Pedro Fróis de Oliveira
Pedro Pinto de Miranda
Raul Gomes
Samuel Félix.           

Em respeito a todos, relembro aqui o soneto dedicado aos vinte Pracinhas salesopolenses que integraram a Força Expedicionária Brasileira.

                             Pracinha do Brasil
Lucas Candelária

Quando era a Velha Europa massacrada
Pela agressão e força do nazismo.
E ao rugir dos canhões e à honra ultrajada,
A guerra impunha a Lei do feudalismo;

Pelo sangue humano a terra enlameada
E Hitler arrastando ao fundo abismo,
A pobre humanidade agoniada,
Para um mundo de horror e servilismo;

Então, aliaram-se as nações. Com glória
Beligerante, e justa, e varonil,
Deram cobro à barbárie infamatória.

E voltou, abraçado ao seu fuzil.
- Herói, cheio dos louros da vitória -,
O valente Pracinha do Brasil!

Jornal A Notícia. Foto Faria.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

As placas nas rodovias são confiáveis?

Se a sua resposta é sim, eu proponho que você preste mais atenção nelas. Sua função é informar, mas, às vezes, elas trazem erros visíveis.
Vejam exemplos encontrados na Rodovia Alfredo Rolim de Moura, estrada que foi recentemente reformada, ampliada e, em alguns casos, duplicada e amplamente sinalizada.
Registrei alguns erros que não chegam a causar grandes transtornos, mas estão incorretos. Seguindo no sentido Mogi das Cruzes-Rodovia dos Tamoios, o primeiro deles está próximo à rotatória, na reta do Irohi, que da acesso ao Bairro  do Sogo, no município de Biritiba Mirim.
Com a intenção de homenagear postumamente um respeitado cardiologista, amigo da cidade, o Poder Público nomeou aquela estrada como: Estrada Dr. Artur Alberto Nardy e não Nordy como se está escrito.
No Bairro da Grama, em Salesópolis, próximo ao Km 93, a parada de ônibus traz a informação: Parada do Teófilo; mas o ponto em referência é conhecido por "Fazenda Jaraguá", Já no local que era o acesso à propriedade do homenageado, no Km 91, não há nenhuma inscrição.
Outra placa com mensagem equivocada está na saída de Salesópolis, no mesmo sentido. No bairro Nhá Luz, após a igreja e a saída para o Morro Grande, vê-se os seguintes dizeres: Paraibuna 83 km, Caraguatatuba 65 km.  Fazendo as contas temos: até a Rodovia dos Tamoios somam-se 43 kms; do entroncamento até Paraibuna são mais 22 kms; portanto, 65 kms. A ordem das cidades está invertida.
Mais adiante, no bairro do Alegre - já no município de Paraibuna-, na única travessia da Rodovia Rolim de Moura sobre o Rio Paraitinga; na placa está escrito: Rio Piraitinga e não Paraitinga.  

Como se vê, são pequenos erros que passaram despercebidos e continuam lá; então, se você confia nas placas, atenção: elas nem sempre estão certas.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O gato e o sino.

The Cat and the Bell
(adapted from “Fables an Fairy Tales” by  M West).                         *Trad: Ciro do Valle.

Havia muitos ratos numa casa. O dono da casa decidiu arrumar um gato, e ele caçou alguns ratos. Então um rato ancião disse:
“Todos os ratos venham até a minha toca a noite e nós pensaremos no que fazer com este gato.”
Todos os ratos vieram.
Alguns falaram, mas eles não sabiam o que fazer.
Por último, um rato jovem se levantou e disse:
“Nós temos que por um sino no gato! Então, quando ele se aproximar, nós ouviremos o sino, fugiremos e nos esconderemos. Assim o gato não pegará mais nenhum rato!”
O velho rato perguntou:
“Quem colocará o sino no gato?”
Nenhum rato respondeu.
O velho rato esperou, mas nenhum rato rebateu.
Por fim ele disse:
“Não é difícil dizer coisas. Difícil é fazê-las!”

 Fim.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Sabedoria.

Para quem desconhece os fatos, Deus dá a fé; para quem desconhece a fé, Ele dá os fatos.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Tietê.

In natura.
Há quem diga que sou uma dádiva, um encanto, um mistério. De fato, sou fruto da relação entre o sol e o mar; gerei-me em vapor, elevei-me ao ar, a brisa me transportou e lá, nas encostas da serra, no ventre da terra, o sopro da vida se apossou de mim. Sou menino franzino a engatinhar por entre as folhas secas, em alegre folguedo, deslizo pela grota. Na inocência da infância sou contagiado pelo clima silvestre que rodeia o meu caminhar. No vale encantado, onde a Natureza impera, vou seguindo a trilha. Um lugar paradisíaco em que as abelhas disputam as flores com os colibris apressados enquanto o bem-te-vi observa ao longe. O berço protegido pelos biris, chapéus-de-couro e os cerrados não ocultam o ipê que guarda suas pétalas para expô-las na primavera. Tatus-mirins saem de suas tocas e se alimentam no sauveiro. Passo despercebido pelas ramadas onde o guaxinim vigia a jararaca que se arrasta sorrateira no encalço de pequenas rãs e ninhos de camundongos. Há jogos de sedução e até lutas violentas em toda a fauna. São regras do jogo da vida, das quais, nenhum ser vivo é excluído. Assim, a borboleta cobre de inveja às mariposas que preferem fazer suas revoadas à noite. Da mesma forma, os morcegos repousam de dia enquanto as andorinhas e os sabiás varrem o planalto serrano. Ainda oculto pelas matas, recebo outras vertentes e, juntos, ganhamos força para romper o pântano do qual o “João” recolhe o barro para fazer sua casa. Já na puberdade e cheio de vida, posso ver o sol que irrompe nas capituvas e erva-de-bicho que protegem meu leito. Sombreado pela ingazeira, o tucum protege seus frutos com espinhos pontiagudos ao passo que um bando de tucanos barulhentos, desperta a coruja sonolenta na fenda da velha, imensa e calada paineira, vizinha ao eucaliptal.
Já se foram alguns quilômetros entre as vegetações. Chegou o momento de sair da “casca” e enfrentar os campos abertos.
Liberdade.
Ciente de que toda cria é gerada para o mundo, o olhar apreensivo da mãe Natureza vê-me como um alegre menino a saltitar pela cachoeira adentrando ao vale côncavo onde o horizonte se mostra mais próximo. Ouve-se, ao longe, o cantar da seriema, entrecortado pelo pica-pau com seu potente “martelo” a perfurar as imbaúbas na incansável busca por insetos. Nas manhãs ensolaradas, no final do outono e início do inverno, quando os ares são mais claros e a vegetação mais verde, nota-se grande revoada de garças, socós e martins - pescadores enquanto que, no banhado, frangos d’água emitem seus cantos estridentes sobrepondo-se ao da jaçanã que corre por entre os arbustos. Não muito longe, na sombra das árvores, o gado bovino repousa e faz seu “repasse”. Entre tanta singeleza, eis que surge a caboclinha faceira. Traz a mala de roupas e sabão de cinza. Antes de iniciar o trabalho, aproveita a pureza do manancial que lhe reflete a imagem; lentamente ajeita as tranças de cabelos longos, esboça um sorriso tímido em que os lábios volumosos embelezam ainda mais a tez morena,já o brilho dos olhos ligeiros oculta sonhos que só ela conhece.
O declive acentuado faz o meu deslizar mais agressivo e adentro com ímpeto a barroca aonde encontro novos amigos que se tornam meus “afluentes”. Formamos, ali, uma unidade num só objetivo: desbravar o desconhecido. Sou guerreiro a alargar as barrancas que reprimem o meu leito. Quando a noite é silenciosa, ouço os corais extasiados de grilos “desafinados” e a sinfonia de sapos. Vejo a via-láctea, as estrelas cadentes e a lua que, como as emoções, se renova. Na época das águas, as enchentes fazem-me expandir pelas margens formando lagoas e remansos, atraindo curiosos e mentirosos pescadores, capazes de transformar um “enrosco” em imponente caso de pescaria. Nesse estágio, atraio também os pacíficos agricultores que buscam as planícies para implantarem cultivos. Em resposta, as hortaliças se tornam abundantes para o regozijo dos olhos puxados que as administram. Ainda a integração Homem-Natureza caminha lado a lado.
A pão e água.
Começo a adentrar ao primeiro centro urbano e a visão que tenho não me agrada. O menino que se ocultava no berço de folhas mortas, cresceu. Como adulto, sou levado a novas aventuras e passo a enfrentar novos obstáculos.  A concentração urbana é desordenada. A busca por melhores dias, mais conforto, faz com que as pessoas prefiram as cidades, o que contribui para a minha ruína. O meu deslizar ficou mais lento e, se antes a população era rarefeita, agora se transformou numa grande comunidade. Com as aglomerações, vêm às indústrias e, com elas, o limbo, os ácidos, as resinas e os dejetos concentrados dos esgotos. A pobreza urbana é incomparável. Se os caboclos da zona rural vivem espalhados pelos campos, providos de imensa simplicidade, creditam ao infinito seus sonhos e esperam com dignidade a sua realização, o oposto ocorre com os metropolitanos. Bombardeados de estímulos pelo consumismo, pelos excessos e pela promiscuidade, tornam-se marginalizados, povoam os lixões e se amontoam em barracos destruindo as matas nativas que me protegiam. Das desigualdades sociais originaram as favelas que se estendem por todos os lados. Atordoado pelo barulho infernal vindo da metrópole carrego os gemidos de um povo que se destrói dia-a-dia. Ouço os soluços de famílias miseráveis, todas as noites, vindo das palafitas ao meu redor. Se antes a serração pousava delicadamente sobre as matas, hoje, o que se tem, é uma nuvem formada por gases tóxicos. A poluição rouba a minha saúde, meu oxigênio e aniquila as algas que cuidam da minha pureza. A busca pelo desconhecido me levou a trocar a selva nativa pela de concreto onde acabei envolto por entulhos não recicláveis. Sou uma vida vazia a perambular pelas margens da grande cidade. A longa caminhada, no entanto, levou-me ao encontro de outras importantes vertentes. Com origens semelhantes a minha, deixaram seu habitat na missão obrigatória de percorrer os declives naturais e, hoje, iguais a mim e com as mesmas dificuldades, nos unimos e formamos uma comunidade. Parte de nosso passado foi temporariamente esquecido. A união de vários córregos e vertentes tornou-se num único e caudaloso rio. Juntos, somos mais fortes, mas ainda frágeis diante das atrocidades humanas. Seus cidadãos vivem encabrestados por clãs que lhes traçam os destinos. Comem por suas mãos e rastejam mediante seus chamados. Os sonhos individuais já se foram. Não há esperanças com relação ao futuro, pois, para tal devaneio, é necessária a manutenção plena da biodiversidade. A cultura humana não concebe tamanha grandeza. Sua conduta é voltada para si e seus caprichos. Veja o nosso exemplo: despontamos nas serras e caminhamos pelos vales. Em nosso trajeto, levamos a vida em abundância a todos os seres ribeirinhos e o que lucramos?.. Maus tratos?... Abandono?...Num passado não muito remoto, nos fins de semana abrigávamos as canoadas, as competições esportivas. Hoje, vivemos como mendigos inundados pela decomposição de restos alimentares; cegos, pois não refletimos a lua nem as estrelas, ou a aurora. Semimortos, a vida aquática que caminha conosco se fez doente. Com a obstrução de nossa via de trajeto, a enchente nos expande, então mostramos a nossa ira invadindo casebres, as mansões, as marginais. Travamos uma luta inglória. A cada prejuízo que causamos, é caso de ascensão política, motivo para a busca de capitais no exterior que irá patrocinar grupos que se dizem amantes da Natureza, mas que pouco fazem pela fonte natural da vida.
Consenso.
Sobrevivemos ao caos urbano. Atravessamos a pior parte de nossa jornada. Procuramos nos refazer ao estrago que sofremos, contudo, não haverá tempo suficiente para a nossa total recuperação. Jamais voltaremos à pureza da infância, à curiosidade da puberdade, cobertos que estamos das marcas que o destino nos deixou. Restam muitos quilômetros para concluirmos a viagem, mas estamos cansados. A sociedade envelheceu, nosso vagar é lento. Resta em nós a lembrança do canto da cigarra que, no verão, se “arrebentava” de tanto cantar. Da criança que engatinhava nas vertentes ou que saltitava nas cachoeiras. Não temos mais o corpo esbelto da adolescência, nem o tipo viril que alargava as barrancas. Não há grandes florestas nativas, o verde que temos são lavouras temporárias em nossas margens. O desconhecido, que era sonho, virou uma realidade sem alarde. Não fizemos os nossos destinos e sim seguimos pelas trilhas tortuosas que ele nos traçou e com passagem só de ida.  Próximo à reta final, a construção dos açudes deixou nosso corpo deformado; estamos vivos, mas fora de forma. Perdemos as linhas esguias da juventude e a força desbravadora dos adolescentes. Não se ouve mais o som monótono da garoa se espalhando pelos cafezais e nem se vê as danças harmoniosas dos tangarás nas galhadas. A paisagem que inspirava poema lírico deu lugar às lanchas e ao esqui aquático. Resta a lembrança dos grandes amigos “afluentes”. O rio das Monções, a estrada que transportava o Bandeirante, hoje embala os casais enamorados em suas descobertas. Somos a via que sustenta as barcaças, o leito que abriga os peixes, a fonte que irriga as plantações. Prevalecem os alarmantes pescadores; o fio dental e o “top less” afastaram a garota sonhadora, charmosa e humilde. Mas nem tudo é tristeza. A caminhada elevou meu nome, o mundo conhece minha história e as gerações futuras hão de conhecer-me. Entre tantos, esbanjo notoriedade.
É o consolo daquele que nasceu, cresceu e se integrou numa sociedade, assim como você; porém, meu infinito é o mar...Sou o Tietê!

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Suburbanos.


     É madrugada, o sol ainda não despontou e uma multidão já toma as ruas. Vão os atrasados, os estudantes, os industriários, pessoas com poucos recursos; o sapato quase rasgando, roupa fora de moda... é o melhor que eles têm. No fundo, sabem que vai chegar o dia em que tudo dará certo; vai ser como um tiro certeiro... na mosca! Será como tirar a sorte grande, como um gol aos quarenta e seis minutos... na gaveta!
A maioria segue seu caminho, a eterna rotina que se estende por longos anos. Como são muitos - agrupam-se – e, juntos, sobrevivem às devassas. Agremiados, criam sua própria gíria e seu dialeto é forjado em palavrões, gestos obscenos. Baseiam-se na força e subjugam o lado sensível, temeroso de serem incompreendidos. Externam as suas emoções em trajes provocantes, usam tatuagens, estampas exóticas em manifesto ou em protesto contra uma causa que nem eles próprios sabem definir. Conhecem o submundo, os vícios, as drogas; sabem da dor e da solidão. Escravos do sistema, envolvem-se com qualquer propaganda. Falam alto, são exagerados, admiram Stallone, Van Damme; veneram os mitos que fazem tudo aquilo que eles são incapazes de fazer. Mesmo sendo obra fictícia, deixa-os extasiados porque os "caras são demais, arrebentam"!
Criativos, fazem a própria moda; "curtem" o que é soft, "transam" tudo o que é diet, gostam de samba, de funk, de pagode e de tudo o que é divertido, lascivo e provocante. Divertem-se com os deboches, gostam do "rala coxa". Destemidos, são guerrilheiros que doam seu sangue por tão pouco. Constituem a maioria nas festas, nas filas, nos hospitais. É a massa que alimenta o comércio, as indústrias; é a mão forte que mexe o concreto, que trabalha a terra e a faz produzir. São os alicerces da sociedade, aptos para o trabalho pesado onde a tecnologia se faz improdutiva. Crescem desordenados, com dentes cariados, sorrisos tímidos, envolvidos de malícia, porque os homens só se fazem sinceros quando se veem acuados; e, se a vida não lhes confiou fortunas, os “macetes" para a sobrevivência eles os têm desde a infância.
O horóscopo do dia afirma que haverá surpresas; que alguns passam pelo inferno zodiacal. Outros estão na fase dos grandes amores e há aqueles que se sentem no paraíso astral. Jornais e revistas reservam espaço em suas publicações. Trazendo presságios para todos vai despertando a situação ambígua que influencia as pessoas, as ideologias, os grandes "lances", o mundo empírico de cada um e que os leva a uma busca constante e infrutífera de sua real personalidade. Que Paraíso seria esse se há coisas grotescas acontecendo?...Também não é Inferno, pois têm momentos inesquecíveis e, por serem humildes, desconhecem suas forças e o que poderiam fazer por seus mundos. Nesse paradoxo, passam pela vida, repetindo chavões e bordões inexpressivos. Possuem, no entanto, uma certeza: logo chegará o dia em que não será necessário conquistar as coisas no "grito"; será como tirar a "sorte grande", uma grande "tacada", uma flecha certeira... na mosca!... Tão agradável como uma bola metida no ângulo, aos quarenta e tantos minutos... Indefensável!... é só esperar.

sábado, 13 de setembro de 2014

Espelho Negro.

Se por instantes fechamos os olhos e tampamos os ouvidos, é como se desligássemos do mundo. Tudo repousa. Cessa a ansiedade. Atenua-se a sofreguidão adolescente na busca desenfreada dos sonhos pessoais.Humildes, orgulhosos, pobres, ricos, anões, mutilados, enfim, todos que alimentam em si o sopro da vida, quando voltados ao seu próprio interior, não manifestam oposição nesse mundo igualitário, oculto na real essência do ser. Estando "cegos e surdos", aflora-se o tato; as percepções são calmas; não há dor. A insegurança silencia no caldeirão efervescente da mente confusa que a vida sedentária fermentou. Sentem-se as artérias e o coração a pulsar dando vida ao corpo, ferramenta imprescindível às ações do cotidiano. Momentos de relaxamento levam a esquecer a necessidade de competir, de ir além do limite, e o raciocínio torna-se lógico.
Nessa viagem, há tempo para ouvir o vento, sentir que a palmeira é silenciosa, que o oceano é pacífico. Momentaneamente tomamos as rédeas do destino e a insípida realidade faz-se um palco, onde os projetos fantásticos são realizáveis...Mas ao abrirmos os olhos, veremos que a palmeira, com a força invisível do vento agita os ramos; o oceano, antes manso, se eleva e, num clima frenético, desperta tempestades e furacões aterrorizando os seres vivos... Se destamparmos os ouvidos, ouviremos o clamor dos agonizantes na eminente derrota contra os poderes públicos; o mendigar de pessoas com seus conflitos íntimos, sem objetivo, a buscar esperanças na dualidade entre céu e inferno, pontos extremos que a cultura incentivou e que limita as ações individuais. Isso as tornam inimigas, perseguidoras, traidoras da própria raça, a ignorar valores que a guerrilha diária subjuga.  
Os olhos fechados fazem com que vasculhemos na escuridão. É como um espelho negro que não reflete imagens, mas permite que se encontrem valores pisoteados pelas conveniências do dia-a-dia. Deixa-se evidente que, os seres vivos, são livres para se aliarem a quem bem lhes convier. A Natureza não gerou inimigos, mas soldados providos de dons natos e que devem lutar para a sua realização, cujos prêmios são: a sabedoria e a experiência. As divergências são como uns quebra-cabeças em que tudo se encaixa, e o objetivo maior é que vivamos em paz, num mundo onde os dias e as noites podem ser mais felizes, como no Natal.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Profissão dentista.

Entre os profissionais liberais, os dentistas são os únicos que conhecem todos os "podres" de seus clientes.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Piracema em três atos.

1.° Ato
Piracema é um ato natural praticado pelos peixes buscando nas cabeceiras um local apropriado para a sua desova. O instinto natural os leva a um exercício extremo no alcance das águas mansas onde os alevinos têm maior probabilidade de sobrevivência. Aqueles que conseguem seus objetivos depositam suas ovas para serem fecundadas e retomam o caminho de volta. Na tentava de superar os inúmeros obstáculos muitos morrem ou são impedidos de completar sua viagem; outros tantos são capturados por predadores que se alimentam de suas carcaças. O mesmo ocorre com as larvas frente a seus inimigos. Estima- se que muito pouco do que foram fecundados sobrevivam; segundo estudos feitos por renomados estudiosos, cerca de 1% dos alevinos atingem a vida adulta. É um fenômeno que ocorre entre novembro a fevereiro de cada ano.
2.° Ato 
Há um movimento social que, grosseiramente, assemelha-se a piracema. É a marcha dos candidatos a cargos eletivos que disputam as eleições no Brasil democrático. Vigora, a cada biênio,  de agosto a outubro podendo se estender até novembro, quando há segundo turno. É o tempo em que as mais distintas e estranhas figuras saem de suas casas (ou toca) e avançam em todas as direções. Como nos cardumes, eles também gastam suas reservas na divulgação de seus ideais povoando as ruas, invadindo as favelas, atingindo os pontos mais longínquos. Estampam nas calçadas, nas praças os seus banners, as suas placas.Vivem cercados por espertos e bajuladores que consomem suas finanças. Depositam seus panfletos (ovas) nas caixas de correios e, na falta desta, sem o menor pudor, espalham seus santinhos pelo hall ou pela calçada esperançosos de que sejam aceitos por toda a família. Feitos as "desovas", tantos os empregados como os responsáveis voltam para sua casas. Como no primeiro caso, a maioria se perde em campo e menos de 1% saem vencedores de tão árdua conquista.
3.° Ato
 Em Salesópolis, após a alteração do trajeto da linha de ônibus que serve à cidade, os moradores se vêm obrigados a fazer algo parecido; o que levou um incisivo vereador a classificar tal ato como piracema. Tendo pela frente uma longa jornada até Mogi das Cruzes e adjacências, eles caminham em direção à Nascente, na tentativa de conseguirem bancos disponíveis para fazerem o traslado sentados. Lá vão os estudantes, profissionais liberais, professores misturados com os veranistas dos fins de semana.  Isso ocorre todos os dias nos horários de pico. Jovens, adultos seguem a dura rotina para a manutenção de seus sonhos, de sua saúde, de suas vidas.
Epílogo.
Façamos agora um último adendo a cada caso. O primeiro deles é algo natural, instintivo e que mantém a espécie sobrevivendo os mais fortes na cadeia alimentar. Dura entre dois e três meses no ano, mas é infinita.
O segundo caso é parecido. Enquanto o direito do sufrágio universal existir, sempre haverá alguém usando de habilidade, de astúcia para convencer os desinformados, os humildes e ingênuos a lhes conceder o direito de viver o seu sonho.

Por fim, o terceiro caso é o mais infeliz de todos. Nele está em jogo não a glória, a riqueza, mas o mísero conforto de uma viagem que antecede um dia de trabalho, de estudo e, às vezes, os dois ao mesmo tempo. É uma batalha onde não uma vitória definitiva, mas pequenas conquistas que precisam ser vencidas todos os dias e sem a perspectiva de melhoria. Então fica a pergunta: Essa piracema salesopolense também é eterna? 

Imagem. google.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Olhos felinos.

Era o fim da hora de “rush” naquela casa. Depois de tanta agitação a paz retorna àquela família. A porta do quarto se encontra entreaberta e, alheia a tudo, ali deitada na cama, mostrava sinais de despertar daquele sono improvisado da tarde. Era uma madorna, um estado de vigília de onde se podia ouvir e sentir tudo o que acontecia ao redor.A fronha macia e colorida e os pôsteres na parede formavam uma decoração harmoniosa. Com um esforço maior pode sentir que a noite já ia alta e não chovia. A cortina permanecia estática - mesmo com a janela aberta - prova que a calmaria reinava do lado de fora. Pelo corredor dava para ouvir o ruído vindo da sala de estar. A televisão, como sempre, trazia a mesma programação mórbida. Movendo lentamente as pálpebras foi descortinando a penumbra do quarto mal iluminado pelas réstias vindas do corredor. Os olhos azuis se esforçavam para reconhecer os móveis, só com a total dilatação das pupilas foi possível fazer o reconhecimento do cômodo. O coração foi se acelerando e com grande esforço, num longo espreguiçar fez distender toda a coluna vertebral e os membros superiores e inferiores. Bocejando longamente se levanta. Ainda sem muita disposição caminha lentamente pelo corredor indo até a cozinha onde, sem muita cerimônia, belisca algo aqui e ali. Os pratos e talheres estão amontoados na pia. Há restos de saladas na travessa, ossos sobre a toalha de plástico na mesa, uma desordem; pudera, a família estava reunida em seu principal ponto de comunhão diário: o seriado das oito. Deixa a cozinha. Não vai jantar. Arrotos expõem o resultado da mistura de petiscos que provou no decorrer da tarde. Entra na sala onde a família estava reunida em silêncio diante da tevê. O drama caminhava para o final. Com a respiração contida, olhares indagantes e recíprocos, digerem as novidades no vídeo expostas. Ela, por não gostar de drama ensaiado, passa desapercebida e, passeando por sobre o tapete árabe, ganha o terraço. A brisa noturna traz sinais de poluição, odores estranhos que, no inverno, intensificado, irritam os olhos, os pulmões e toda a flora confinada nos vasos estrategicamente ali distribuídos.
Acostumada com a rotina estafante, solta a imaginação, mas tudo é incerto. A noite reserva mistérios. Tudo pode acontecer ou nada de novo poderá vir à tona. É uma aventura em território conhecido, mas as trevas são próprias para seus habitantes. Nos seres diurnos, a escuridão acentua a sensibilidade, enaltece a libido e pode provocar sentimentos confusos; portanto, embora seja uma conhecedora dessa área, não ignora os riscos sabendo que poderá ser uma busca surpresa.
Aproveitando-se da paz ali encontrada, agarra firme nos balaústres coloridos alongando novamente toda a coluna vertebral. Em seguida se contorce de forma suave movendo os músculos peitorais, lombares e das pernas. Respira fundo e volta pra sala.
Plantada em frente à tevê, sua família, agora, debate de forma ardorosa as cenas exibidas enquanto os comerciais divertem seduzindo os telespectadores. Outra vez não é notada. É hora de se preparar e um demorado banho é essencial.
Alheia às dificuldades, começa pelas narinas, depois os olhos; cuida das orelhas e da nuca. O cartão de visita está pronto. Boa expressão é fundamental e os olhos e as sobrancelhas, bem cuidadas, são capazes de transmitirem emoções, Além, é claro, de serem essenciais à percepção e proteção.
Retoma a viagem. Agora, pelo pescoço indo até a omoplata e descendo até as unhas e retornando por outro lado. Em seguida, reinicia pelo lombo e faz a longa descida pelas vértebras passando pelas nádegas e prolongando pelo lado esterno das coxas complementando até os pés. Vira de lado e subindo por outra perna indo alcançar novamente a nuca. Agora, de costa, fita o teto e a tela branca ganha cores além dos azuis dos olhos e vai projetando nela os seus desejos. Por ser jovem, muita coisa ainda a inquieta. Desconhece a fome, a solidão e, por gozar de extremo conforto, ignora o temor pelas adversidades. Desconhece os terremotos, os temporais e os invernos rigorosos. Sempre amparada, seu íntimo a impele a buscar novas descobertas, a desvendar certos mistérios que a incomodam. O instinto a chama, a comodidade a cansa. Há coisas mais interessantes para se conhecer além do conforto reinante entre as quatro paredes. Os estímulos naturais de reprodução já manifestam trazendo brilho no olhar, odores excitantes e as glândulas da fertilidade trabalham intensamente inundando seu corpo com os hormônios próprios do sexo. É visível sua agressividade contida intercalada com extremos atos de carinhos; mas, antes de tudo, é imperioso aprimorar as defesas, treinar os ataques, conhecer os desejos e só então provar do que é novo para descobrir as regras do velho mundo, mas em sua ótica!
Precisa saber das dificuldades e das novidades que o dia-a-dia prepara. Quem não ousa na adolescência acaba tornando-se um adulto receoso. A dor, o medo, a morte, lá fora, na noite a espreita, mas é a vivência diária desses desafios que trarão os aprendizados, os quais vão se fixando lentamente e, nessa escola, o aprovado tem direito a uma vida farta de prazer e alegria. Respira fundo; é isso que ela quer conhecer e retorna o banho. Com toques suaves - mas decidido - acaricia o queixo sensual descendo pela garganta indo até o antebraço; volta pelo colo, mas é interrompida por ruídos nos apartamentos, pessoa conversando em tom elevado, alegre; foi só um momento. Sentindo-se novamente segura, toca delicadamente sobre os mamilos, ainda jovem, descaindo pela barriga, a qual mostra sinais de gorduras localizadas resultante da vida sedentária que leva. Isso, no entanto, não a incomoda e, elevando as pernas ao alto, as vem acariciando, lentamente, uma e outra, apreciando da maciez dos lados internos das coxas chegando até ao púbis onde cuida generosamente da fina plumagem ali estabelecida. É hora de uma nova retocada por todo o corpo, costa, orelhas e permanece relaxada. Pouco depois já caminha pelo corredor em direção ao quarto.
Que horas seriam?...Não importa. Quase oculta pela claridade do néon, a lua vai alta e próxima da cheia, o que justifica o furor interno na inquietante explosão da libido que pulsa por todo o corpo. Na sala, houve dispersão geral. Há ruídos de pratos sendo enxaguados na cozinha e conversa descontraída nos quartos. Chegando ao terraço, com as orelhas em riste, fixa na cidade que aos poucos vai se acomodando. Contempla longamente o horizonte e, voltando-se para o lado, vê a escada de emergência que é próxima da sacada. Basta ultrapassar o parapeito e seguir equilibrando pelos detalhes arquitetônicos que em breve ganhará as ruas e, com olhar felino e instinto de aventureira, vai invadir a noite; porque enquanto a cidade dorme, é a hora dos gatos irem à caça.