Para
onde foram todas as chuvas?
Essa
é uma pergunta que venho fazendo há algum tempo. No ano 2000, ocorreu uma
estiagem parecida, mas menos intensa. Entre um dia e outro, havia alguma
neblina e, a partir de novembro, a chuva voltou e a situação foi
contornada. Por isso, no dia 11 de janeiro p.p., visitei a Represa de Ponte
Nova, ou ao que resta dela.
Origem.
“Em
1963, o governador Adhemar de Barros, visando à solução das enchentes da
Capital, iniciou estudos para a implantação de diversas barragens nas
cabeceiras do Alto Tietê. Uma das primeiras obras seria a de uma barragem no
próprio rio Tietê e que, segundo os estudos, o local escolhido foi na altura da
ponte o mesmo rio, na estrada Mogi-Salesópolis. Essa ponte, recém-construída,
deu origem ao nome da barragem, passando, então, a chamar-se: Barragem de Ponte
Nova” Francisco Wuo – Jornal Nascente. 1981.
Todo o investimento inicial desse projeto visava o combate às enchentes
e o abastecimento permanecia só na captação do Rio Claro, inaugurada em meados dos
anos vinte, do século passado.
Cinco décadas se passaram e a meta foi alterada. Desde que Salesópolis
passou a integrar a Grande São Paulo e a fazer parte da área de proteção de
mananciais, todas as suas vertentes passaram a ser protegidas e direcionadas ao
abastecimento da grande metrópole. Nos últimos vinte anos, a necessidade de se
obter água potável, como era de se esperar, agravou.
Nos anos seguintes, a interligação das barragens de Ponte Nova-Rio
Biritiba-Rio Jundiaí –Taiacupeba, ganhou o reforço do novo açude do Paraitinga,
concluído em 2005. Porém, se aos olhos dos meros mortais tudo estava resolvido,
para os técnicos do assunto, os estudos meteorológicos - por ironia - feitos na
própria estação local, alertava sobre o possível baixo índice pluviométrico. Há anos que as chuvas não são
suficientes para manter os reservatórios e, sendo uma dos açudes que
alimenta a capital, Ponte Nova soma-se às demais que estão interligadas nessa
missão. Todavia, nos últimos meses, o que se vê é mais lama e racionamentos. Bastou uma
estiagem mais longa e a poderosa Ponte Nova perdeu seu potencial.
Polêmica
desde a sua conclusão, muito se falou sobre o valor injusto pago pela
desapropriação das áreas que foram inundadas e das dificuldades que os
residentes da região dos bairros Tietê Acima, Aparecida e Contenda enfrentaram
para se locomover até Salesópolis, centro comercial mais próximo. Mesmo com a
construção do aterrado que facilitou o contato cidade-bairros trouxe solução
definitiva à questão. Vez por outra, arrombamentos por fadiga do dique trouxe
prejuízo à ambos. Em 2014, por exemplo, sem maiores esclarecimentos, a justiça
decretou o seu fechamento - o que demonstrou ser uma manobra política- motivo: com a mesma facilidade com que foi fechado, foi reaberto e, cada vez mais, mal
acabado.
No
momento, o que mais preocupa é a falta de água. Por um capricho do
clima, as chuvas que comumente caem nas cabeceiras do Tietê e região mudaram
seu destino. Com menos volume estocado, vemos a matéria prima para a manutenção
da vida se extinguir. Com as precipitações cada vez menores, o conjunto de
represas se vem com menor volume acumulado da última década. Por isso, no
domingo, dia 11, fiz uma excursão em busca do que resta do reservatório local.
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O Tietê no aterrado. |
Chegando ao aterrado, vê-se o
imenso vale que está exposto. As terras que foram reivindicadas pelos antigos
donos mostram as suas antigas belezas. Típicas de todo brejo, as ervas de
bicho despontam entre outras variedades que forram as várzeas. Depois da seca,
o poderoso Tietê não passa de um ribeiro*. Seu leito sinuoso ainda persiste e, na
medida em que vai descendo vale abaixo, vai recebendo as pequenas lâminas
d’água vindas das grotas, de cada lado do vale.
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Leito da antiga estrada. |
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A velha ponte. |
Do
lado esquerdo, as ruínas da primeira estrada que interligava todo o Vale do
Tietê estão expostas. Calçada de pedra nas partes úmidas comportavam os carros
de boi, charretes e pequenos veículos motorizados, já que os automotores só
chegariam anos mais tarde. Logo abaixo, uma das antigas ligações viárias unindo
ambos os lados do rio é vista. A velha ponte ainda mantém a sua postura,
simples, mas com as madeiras que há meio século suportava os as variadas cargas
que por ali era transportada. Descendo um pouco mais, há vestígios de pequenas
trilhas que se formaram com a inundação do leito. Por entre as ilhas temporárias, já nas
proximidades do paredão, mais um estreito caminho por onde passava muares e pedestres
está à mostra. Outra indescritível realidade é vista onde havia o grande
alagado que se estendia entre o “Toboganzinho” e o Tobogã. A antiga via que
conduzia os salesopolenses à outras cidades está exposta atrás da grande
ilha indo ao encontro do Rio Claro e região. A prova de que a
situação é critica está na lama e os princípios de pastagens que reaparecem por
toda a extensão. Outro indicador de que a reserva está no fim são as
cepas visíveis sobre a água que resistiram as décadas submersas. É uma sensação
única. Poder ver o Rio Tietê em sua extensão, por toda a represa;
não só ele como os seus afluentes – grandes e pequenos-, é um sonho; contudo, ao considerar a
necessidade com que a população passa pela falta desse líquido, torna-se numa trágica realidade.
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Obstáculo entre o Rio Tietê e a lagoa. |
Além
dos problemas causados pela estiagem, outro grande desastre ecológico está
acontecendo. Quase invisível diante de todos, chegou a época da piracema, tempo
em que os cardumes nadam em busca das nascentes para procriarem, e o que se
vê em todas as represas é uma calamidade. Após horas de nado rio acima, são presas fáceis das aves ribeirinhas que os esperam nas margens dos riachos, afluentes e nas lagoas.
Aqueles que sobrevivem às predadoras, quando não caem nas redes ou armadilhas
dos pescadores, são detidos pelas rochas no início do Rio Claro, pelo Tobogã e
Toboganzinho ou pela bica d’água que separa o lago na cabeceira da barragem e o
paredão da Cachoeira dos Freires, na usina hidrelétrica. E como a reserva
aquática vem se extinguindo de forma gradativa, vai passar o período da desova
e não haverá água e nem local apropriado para os variados cardumes –nativos e
adaptados- procriarem.
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Lago na camada superior de Ponte Nova. |
Mesmo
tendo esse fim anunciado em virtude da falta da chuva, já se espalha pela redondeza de que a Sabesp/DAEE irão drenar
aquele grande lago que se mantém acima do aterrado, devido ao desnível
geográfico. Ou seja, na busca por uma solução passageira – as precipitações se
aproximam e o conteúdo daquela lagoa será um paliativo -, poderá destruir muitos alevinos e ovas que estão sendo depositadas nas matas ciliares, visto que aquela reserva é
uma sequencia da represa e mantém em seu leito ampla quantidade e variedade de
peixes.
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Fase final tendo o paredão ao fundo |
Em
meio a todos esses percalços, a esperança continua. A metrópole clama por água,
os veranistas lamentam a sua falta para o seu lazer; os peixes e a vida aquática da cadeia alimentar ali baseada vão sendo dizimados com calor recorde e
um paradoxo se completa: O mesmo povo paulistano que almejava a construção de
açudes nas cabeceiras dos grandes rios para deter suas enchentes, hoje espera
por um milagre e que os mesmos ribeiros se avolumem e com as futuras enchentes
os acudam em suas necessidades.
Fotos: Ciro do Valle.