quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

S.O.S Ponte Nova!

Para onde foram todas as chuvas?
Essa é uma pergunta que venho fazendo há algum tempo. No ano 2000, ocorreu uma estiagem parecida, mas menos intensa. Entre um dia e outro, havia alguma neblina e, a partir de novembro, a chuva voltou e a situação foi contornada. Por isso, no dia 11 de janeiro p.p., visitei a Represa de Ponte Nova, ou ao que resta dela.
Origem.
“Em 1963, o governador Adhemar de Barros, visando à solução das enchentes da Capital, iniciou estudos para a implantação de diversas barragens nas cabeceiras do Alto Tietê. Uma das primeiras obras seria a de uma barragem no próprio rio Tietê e que, segundo os estudos, o local escolhido foi na altura da ponte o mesmo rio, na estrada Mogi-Salesópolis. Essa ponte, recém-construída, deu origem ao nome da barragem, passando, então, a chamar-se: Barragem de Ponte Nova” Francisco Wuo – Jornal Nascente. 1981.
Todo o investimento inicial desse projeto visava o combate às enchentes e o abastecimento permanecia só na captação do Rio Claro, inaugurada em meados dos anos vinte, do século passado.
Cinco décadas se passaram e a meta foi alterada. Desde que Salesópolis passou a integrar a Grande São Paulo e a fazer parte da área de proteção de mananciais, todas as suas vertentes passaram a ser protegidas e direcionadas ao abastecimento da grande metrópole. Nos últimos vinte anos, a necessidade de se obter água potável, como era de se esperar, agravou.
Nos anos seguintes, a interligação das barragens de Ponte Nova-Rio Biritiba-Rio Jundiaí –Taiacupeba, ganhou o reforço do novo açude do Paraitinga, concluído em 2005. Porém, se aos olhos dos meros mortais tudo estava resolvido, para os técnicos do assunto, os estudos meteorológicos - por ironia - feitos na própria estação local, alertava sobre o possível baixo índice pluviométrico. Há anos que as chuvas não são suficientes para manter os  reservatórios e, sendo uma dos açudes que alimenta a capital, Ponte Nova soma-se às demais que estão interligadas nessa missão. Todavia, nos últimos meses, o que se vê é mais lama e racionamentos. Bastou uma estiagem mais longa e a poderosa Ponte Nova perdeu seu potencial.
Polêmica desde a sua conclusão, muito se falou sobre o valor injusto pago pela desapropriação das áreas que foram inundadas e das dificuldades que os residentes da região dos bairros Tietê Acima, Aparecida e Contenda enfrentaram para se locomover até Salesópolis, centro comercial mais próximo. Mesmo com a construção do aterrado que facilitou o contato cidade-bairros trouxe solução definitiva à questão. Vez por outra, arrombamentos por fadiga do dique trouxe prejuízo à ambos. Em 2014, por exemplo, sem maiores esclarecimentos, a justiça decretou o seu fechamento - o que demonstrou ser uma manobra política- motivo: com a mesma facilidade com que foi fechado, foi reaberto e, cada vez mais, mal acabado.   
No momento, o que mais preocupa é a falta de água. Por um capricho do clima, as chuvas que comumente caem nas cabeceiras do Tietê e região mudaram seu destino. Com menos volume estocado, vemos a matéria prima para a manutenção da vida se extinguir. Com as precipitações cada vez menores, o conjunto de represas se vem com menor volume acumulado da última década. Por isso, no domingo, dia 11, fiz uma excursão em busca do que resta do reservatório local.   
O Tietê no aterrado.
Chegando ao aterrado, vê-se o imenso vale que está exposto. As terras que foram reivindicadas pelos antigos donos mostram as suas antigas belezas. Típicas de todo brejo, as ervas de bicho despontam entre outras variedades que forram as várzeas. Depois da seca, o poderoso Tietê não passa de um ribeiro*. Seu leito sinuoso ainda persiste e, na medida em que vai descendo vale abaixo, vai recebendo as pequenas lâminas d’água vindas das grotas, de cada lado do vale.
Leito da antiga estrada.
A velha ponte.
Do lado esquerdo, as ruínas da primeira estrada que interligava todo o Vale do Tietê estão expostas. Calçada de pedra nas partes úmidas comportavam os carros de boi, charretes e pequenos veículos motorizados, já que os automotores só chegariam anos mais tarde. Logo abaixo, uma das antigas ligações viárias unindo ambos os lados do rio é vista. A velha ponte ainda mantém a sua postura, simples, mas com as madeiras que há meio século suportava os as variadas cargas que por ali era transportada. Descendo um pouco mais, há vestígios de pequenas trilhas que se formaram com a inundação do leito.  Por entre as ilhas temporárias, já nas proximidades do paredão, mais um estreito caminho por onde passava muares e pedestres está à mostra. Outra indescritível realidade é vista onde havia o grande alagado que se estendia entre o “Toboganzinho” e o Tobogã. A antiga via que conduzia os salesopolenses à outras cidades está exposta atrás da grande ilha indo ao encontro do Rio Claro e região. A prova de que a situação é critica está na lama e os princípios de pastagens que reaparecem por toda a extensão. Outro indicador de que a reserva está no fim são as cepas visíveis sobre a água que resistiram as décadas submersas. É uma sensação única. Poder ver o Rio Tietê em sua extensão, por toda a represa; não só ele como os seus afluentes – grandes e pequenos-, é um sonho; contudo, ao considerar a necessidade com que a população passa pela falta desse líquido, torna-se numa trágica realidade.
Obstáculo entre o Rio Tietê e a lagoa.
Além dos problemas causados pela estiagem, outro grande desastre ecológico está acontecendo. Quase invisível diante de todos, chegou a época da piracema, tempo em que os cardumes nadam em busca das nascentes para procriarem, e o que se vê em todas as represas é uma calamidade. Após horas de nado rio acima, são presas fáceis das aves ribeirinhas que os esperam nas margens dos riachos, afluentes e nas lagoas. Aqueles que sobrevivem às predadoras, quando não caem nas redes ou armadilhas dos pescadores, são detidos pelas rochas no início do Rio Claro, pelo Tobogã e Toboganzinho ou pela bica d’água que separa o lago na cabeceira da barragem e o paredão da Cachoeira dos Freires, na usina hidrelétrica. E como a reserva aquática vem se extinguindo de forma gradativa, vai passar o período da desova e não haverá água e nem local apropriado para os variados cardumes –nativos e adaptados- procriarem.
Lago na camada superior de Ponte Nova.
Mesmo tendo esse fim anunciado em virtude da falta da chuva, já se espalha pela redondeza de que a Sabesp/DAEE irão drenar aquele grande lago que se mantém acima do aterrado, devido ao desnível geográfico. Ou seja, na busca por uma solução passageira – as precipitações se aproximam e o conteúdo daquela lagoa será um paliativo -, poderá destruir muitos alevinos e ovas que estão sendo depositadas nas matas ciliares, visto que aquela reserva é uma sequencia da represa e mantém em seu leito ampla quantidade e variedade de peixes.  
Fase final tendo o paredão ao fundo
Em meio a todos esses percalços, a esperança continua. A metrópole clama por água, os veranistas lamentam a sua falta para o seu lazer; os peixes e a vida aquática da cadeia alimentar ali baseada vão sendo dizimados com calor recorde e um paradoxo se completa: O mesmo povo paulistano que almejava a construção de açudes nas cabeceiras dos grandes rios para deter suas enchentes, hoje espera por um milagre e que os mesmos ribeiros se avolumem e com as futuras enchentes os acudam em suas necessidades.

   

 Fotos: Ciro do Valle.