O fantástico mundo da ilusão está
à disposição de todos. A qualquer hora vemos, por entre as nuvens, grupos de
pessoas que voam alegremente; da mesma forma, na terra, bandos de gatos fazem
cabos de guerra com pitibuls. Veem-se borboletas conversando com as flores, uma
manada de leões aplaudindo o desfilar de saudáveis gazelas. O incrível mundo
onde os animais se confraternizam insiste que, nele, o beijo é técnico e as
insinuações sexuais, também.
A televisão, com pouco mais de oitenta
anos de existência, ocupa um espaço impensado pelos homens que a inventaram. Gera ilusões; é
educativa e, ao mesmo tempo, dispersiva. Sendo fruto do capitalismo, qualquer
minuto pode valer milhões. É penetrante; seus anúncios, mesmos os mais
absurdos, vão aos poucos se enraizando nas mentes estressadas transformando o
indigesto em elegante, o cafona em moda. Por estar diretamente ligada ao
consumidor traz sempre novidades. Tornou-se informante de verdades e
inverdades; é capaz de mergulhar nos abismos oceânicos trazendo à tona animais
que jamais viram a luz solar. É capaz de mostrar um óvulo se desprendendo do
ovário; as veias internas, os canais do sistema digestivo. Por estar ligada à
base exploratória da opinião pública, vive criando furos jornalísticos e ocultando
vexames políticos. Nos horários vespertinos exploram a miséria em busca de
audiência; cultua o ridículo, o tacanho em busca de debates. Nos programas “chamados
populares” exibem “gatos e gatas sarados”, de “cabeças vazias” estimulando o lado
sensual que a humildade tem em abundância: a imaginação fértil para assimilarem
os modelos talhados pelos clérigos, os noveleiros e poetas, transformando
instintos reprodutivos em amor com os mais diversos adjetivos. É um veículo
contraditório; por um lado traz cultura, por outro, o estímulo à violência como
entretenimento. Mistifica assuntos banais, mas é a desvendadora de mistério e
tabus. Seus refletores aceleram processos, faz recuar o político oportunista, porém,
é retaliatória, direcionando os melhores programas aos canais fechados,
indiretamente, alimentando a divisão social. Sua imponência a capacita a fazer
o bem a toda à humanidade, contudo, seus diretores preferem louvar a desgraça
do agreste a cobrar da elite providências para salvar aquele povo. No fim de
noite, por exemplo, mostra em cadeia nacional o teatro encenado pelos políticos,
com seus coadjuvantes, e o humor bestializado dos tiriricas da vida. É a fonte preparada
para publicar os feitos e as mazelas do mundo, no entanto, nas eleições, investe
nas pesquisas; indiretamente, induzindo os eleitores a apoiarem seus
interesses. É um veículo que cumpre a sua função e, pelo avanço conquistado,
mostra que traduz a exata aspiração de seus povos. Faz coisas glamorosas, mas
peca pelo excesso de ilusão.
Sendo obra humana, justificam-se
tais imperfeições. Pudera. Afinal, vivemos num mundo onde cães, gatos, leões e
antílopes são inimigos naturais.
(A tv é) “Um monstro na
frente do qual as pessoas irão desperdiçar sua vida”.
Philo Farnsworth (1906-1971),
reconhecido como o autor da televisão. Revista
Superinteressante – 11/1999.