Muitos hábitos
perdem-se no tempo, mas há aqueles que se aperfeiçoam e atravessam os anos.
A motocicleta e similares, desde a sua invenção, inspiraram liberdade. No
pós-guerra a sua difusão foi ampla, mas era um meio de transporte caro e
perigoso. Nos anos seguintes, os hippies a coloriram, “envenenaram-na",
porém, sempre em poder dos homens.
A globalização, por sua vez, trouxe muitas divergências; contudo, popularizou
esse meio de condução. Hoje, produzida em larga escala, seu custo caiu e -
paralelo à liberdade em que a juventude conquistou - ganhou as ruas, seja por
necessidade, casualidade ou puro prazer.
Nesse embalo, o terceiro milênio veio consolidar uma prática quase
desapercebida que, lentamente, foi ganhando espaço na sociedade. Sempre
agarradinha igual a "parasitas" na garupa de seus companheiros, as
mulheres davam charme e trazia ao cavalheiro status social. Com o semblante
tradicionalmente passivo, esbanjava sensualidade trocando os sonhos pelo cheiro
de asfalto; todavia, eram poucas que se aventuravam nessa peripécia. O pó da
estrada, na visão conservadora, difamava a conduta das moçoilas, sendo,
portanto, um número reduzido delas -quase sempre junto com o namorado - que se
arriscavam nesse vôo sobre duas rodas.
Mas o avanço dos costumes as vem colocando em lugar de destaque. Impondo-se
sobre a conhecida postura machista, estão dominando as ruas, parques e cidades.
Independente do lado agressivo das ruas, as vaidades continuam em alta. Altas,
baixas, não importa: há equipamentos com várias cilindradas conforme o tamanho
da proprietária. Os destaques começam pelos pés. Não comportando salto alto, na
falta das sapatilhas, as unhas vermelhas se expõem em frente a sandálias
sugerindo tatuagem temporária na extensão das pernas que, sendo
"toras", curtas ou longas, despem-se mediante qualquer aragem. É
frio, um jeans apertado dá um jeito, cobrindo, torneando e expondo os contornos
insinuantes.
O corpo é outro aparato. Quando o calor impera, a blusa "tomara que caia” ou
não, tem o hábito de subir costa acima enquanto o cós das calças, rebaixados,
abrem um espaço entre o cóccix, as vértebras e os simpáticos pneuzinhos. Um
pequeno mural ali se forma e cavalos marinhos, rosas, borboletas, enguias,
estrelas e tudo o que a imaginação sugere, em oposição aos piercing reluzentes
que, às vezes, se apoderam do umbigo.
As "cheinhas" enfrentam as "saradas" com naturalidade. Há
aquelas que exibem seus decotes, com seios opulentos... A cabeleira, quando
farta, faz deslizar-se pelos ombros suados, em rabo de cavalo ou solto ao
vento, como na era psicodélica, do pé na estrada, da power flower... Por fim,
contrastando com o carmim do batom, um capacete personalizado, rosa, envolve a
cabeça.
Se por um lado, perdem-se os ares de sedução, por outro se ganha o
companheirismo; sai a fêmea sedutora, entra a parceira ativa; a donzela dá
lugar para a guerreira, à amazona moderna, independente, na corrida diária.
O cavalo branco, símbolo dos sonhos juvenis, deu lugar a máquinas prateadas,
rosnantes, fumegantes, que obedecem, nervosas ao comando.
Em seu contexto diário, novos elementos ganham espaço. Além da concorrência acirrada
entre elas, os sonhos, a aspiração pessoal, os encargos típicos do sexo alteram
a sua rotina preocupando-se com pneus desgastados, combustíveis, semáforos,
faixa de pedestres, os riscos do trânsito; novos fatos que povoam o universo
feminino, substituindo os delírios românticos pela praticidade da vida.
Antes era como "parasita"; hoje, em formato de "conchinha"
envolve seu parceiro e, juntos, vão ao encontro da liberdade.
Passo a passo, aquelas que deixaram o véu da ingenuidade perdido pelas
curvas sinuosas da adolescência vão assumindo os caminhos que a natureza lhes
concede. São ou serão as modernas "senhoras" que José de Alencar
nunca pensou descrever.
Ciro do
Valle, 2009.