sábado, 13 de junho de 2015

Ao soldado desconhecido.

 Comemorar o Dia do Pracinha Salesopolense deveria ser uma missão festiva, mas não é. Não há interesse em compreender as dificuldades dos anos quarenta do século passado. A história descrita nos currículos escolares não se empenha em mostrar os fatos e aqueles feitos estão sendo gradativamente, esquecidos. Afinal, quem eram aqueles soldados há sete décadas atrás?...Eram todos adolescentes, esperançosos e sonhadores diante do mundo que se descortinava pelas mudanças impostas por Getúlio Vargas. Mas, para tal, era necessário certificado militar e, para consegui-lo, teriam que se sujeitarem aos maus tratos do Serviço Militar. Dois anos de suas vidas seriam empregados; em compensação, eles estariam aptos a buscarem os mais belos ideais. O que eles não sabiam era que o mundo se enfureceria e sua estadia de dois anos seria ampliada; eles foram lançados numa guerra mundial.
Convocados ou voluntários nas manobras se encontraram e partiram juntos para a fatídica aventura, mas o Senhor da Guerra zela pelo combatente fiel. Quando despertou no coração de meia dúzia de meninos o desejo de adiantar na história antecipando a sua maioridade, (permitia-se jovens letrados com dezoito anos para a formação militar) Ele já vislumbrava outros caboclinhos que deixariam as suas famílias, a sua lavoura e seriam integrados num mundo onde havia neve, fome, língua estranha, solidão e desespero. Quando aquela porção de meninos cultos iniciou sua carreira no Regimento, já estava escrito: “Eles seriam o apoio necessário providenciando a integração junto aos superiores para que os valentes montanheses destronassem o inimigo”.

Abílio dos Passos, Foto Faria.
Assim foi feito e os poderosos alemães se renderam permitindo que o mundo tivesse um pouco de paz. Juntos, há 70 anos, venceram! Onde imperava o poder, o ódio, a força bruta, eles saíram vencedores. Hoje são os que sempre foram: heróis?...não. Soldados desconhecidos.
Há mais de duas décadas que se comemora o dia do Pracinha Salesopolense. O símbolo de sua praça é uma estátua sem fisionomia definida, e, paralelamente o que se vê, foi o abandono gradativo dos velhos heróis. Heróis com todos os traumas que uma guerra pode impor, mas eles venceram a ambos e se mantiveram na vida. Por capricho do destino, alguém teria que assinar o embate final e coube a Abílio dos Passos, por integrar o 1º Batalhão de Infantaria, assinar com seu sangue a vitória do Monte Castelo. Conforme assegurou o Segundo Tenente Pedro Fróis: "seu Batalhão combateu na véspera e, como houve muitas baixas, o General da Divisão os poupou no desfecho final; nele, o único participante de Salesópolis, o Soldado Abílio Nunes dos Passos, tombou".   
Tentando superar a perda do amigo Abílio, os Pracinhas procuravam se alegrar, mas foram tomados por outro golpe: num acidente infeliz, dos dezenove sobreviventes, José Francisco de Mello também não se apresentaria vivo em sua terra. Chegando em separado, cada seguiu o seu destino o qual mantiveram até a morte. Só nos anos oitenta do século passado que governo militar de João Figueiredo reconheceu seus feitos concedendo-lhe uma patente e um soldo menos injusto.
 Dos mais, são o que sempre foram: de baixa estatura, simples de aparência; mas quando falavam mostram o seu valor. As dores do corpo ferido foram superadas, o abrolho na alma já não os atormenta. Suas narrativas eram de vitória, de dificuldades superadas e cresceram a ponto de entender a fragilidade dos grandes nomes que administram o mundo. Fazem parte de uma minoria que olhavam o passado com brandura, mantinham a cabeça ereta e afirmavam: “quando a vida exigiu, estivemos lá e fizemos o que foi possível”.

Foto: CV
Se a situação pedia força, eles a impuseram; mas quando basta somente administrar o que já foi conquistado, as lideranças fracassam. A vida cercada de progresso não evoluiu. O acúmulo de sabedoria vem transformando os homens em animais conscientes e invencíveis. A evolução humana não foi capaz de suprir as necessidades próprias e decai em violências. Os próprios Praças viveram entrincheirados diante das atrocidades das ruas. Os heróis de verdade foram ignorados em sua próprias casas. Políticos, educadores, estudantes não se interessam por quem fez de sua vida uma fonte de transformação. A sociedade culta e livre, marco que a sua vitória consolidou, não dispuseram de tempo para vê-los e ouvi-los. Preferiram se calar recolhendo-se na pobreza de seus abrigos. Na comemoração, muitas autoridades preocupam-se em apresentar as suas escusas. As lideranças não veem a realidade dos fatos conforme afirmou o Segundo Tenente Fróis, “as guerrilhas e ataques que assolam todo o mundo só serão sufocadas por uma guerra de proporções maiores. A primeira delas foi assim; a segunda, também; e todos esses afronto que vêm ocorrendo no Golfo Pérsico e região, são as agitações para um embate militar de forma descomunal.”
Para eles, os bravos soldados foram estranhos. A imagem que era simbólica, hoje simboliza a realidade: são cada vez mais desconhecido e sem face. 

 Diante de tantos desencontros só lhes resta esperar pelo lado espiritual; afinal, se o Deus da Guerra lhes foi complacente em seu tempo, que o Deus da paz lhes conceda indulgência às suas almas. Pracinhas, a sociedade está em dívida convosco!