terça-feira, 26 de maio de 2015

Afogado. (Prato culinário)

A tradicional mistura de costela, tempero e farinha de mandioca fez história. O porquê do nome afogado deve ser tão improvisado como a própria descoberta. Para o bom provador existe até uma técnica. Jamais se deve acompanhar o preparo. O mistério se estende à todo o processo do abate, tempero e cozimento. Ainda sugere que o contato visual e olfativo seja conhecido na hora da refeição e, de preferência, que ela ocorra após o meio dia no apogeu na fome. Outra exigência dos “afogadeiros” é o acompanhamento de uma boa cachaça e o cozimento em fornos de cobre sobre fogo a lenha proporciona mais sabor ao prato. Da mesma forma a “carne da costela” cedeu lugar ao acém.
Nos últimos anos, a inclusão de outros ingredientes trouxe mais aparência e diversidade no sabor. De uma forma ou de outra, o sabor característico do afogado vai ganhando espaço no meio gastronômico. Sua origem é questionada. Os Salesopolenses, os Santa-branquenses e Paraibunenses, (Se é que se pode tratá-los assim), defendem a sua autoria. Querem a sua patente e fazem largo uso dessa iguaria. Afirmar que um ou outro foi o inventor desse cardápio é incerto. Baseado na forma como era e é difundido, o Afogado tem a mesma origem da feijoada. Seu real inventor não foi preservado por ter a sua origem no seio da pobreza. Segundo relatos de pioneiros, é fruto de improviso. Sua criação está ligada a mais indigna miséria. Com o afastamento da cultura do café para o interior do Estado de São Paulo, muitas famílias permaneceram nas regiões montanhosas das margens dos Rios: Paraíba e Paraitinga; proletárias e sem reservas financeiras, tiveram dificuldades em se adaptarem a nova realidade. O emprego das migalhas de carne incrustadas nas carcaças de animais era a salvação dos pobres, assim como a farinha de mandioca.
Afogado. Foto CV
“A mandioca, após o período mínimo de crescimento (dez meses e plantada entre julho e setembro), por ser uma raiz, pode ser aproveitada em qualquer época, inclusive nos meses de entressafra”. Alzira de Oliveira, (1927-2012).
Dessa forma, a família numerosa e de baixa renda que muito sofria, fazia o seu uso em larga escala. Os fazendeiros, conhecedores do problema, lhes doavam as costelas e crânios de animais abatidos. Outro produto disputado por essa classe era a víscera. A rês era assim dividida: os mais abastados reservavam as melhores partes. A classe intermediária procurava pela “barrigada de arrasto” (As vísceras completas incluindo da língua às tripas) e, por último, a suã, o crânio e mocotós que eram vendidos por preços irrisórios ou mesmo doados atendendo as necessidades dessa gente. De posse dessas peças, ia o caboclo para sua cabana e tratava as partes com sal antes de pendurá-las no fumeiro. Em tempos de misérias, cozinhavam-se os restos e serviam com farinha de mandioca existente em todas as fases do ano. Com o passar do tempo essa experiência ganhou também outras classes sociais e passou a ser a alimentação para as festas tradicionais devido ao seu baixo custo. O mesmo processo se aplica à moda “Vaca atolada” onde raiz de raiz de mandioca é cozida diretamente com a carne.
Sobre a sua autoria, é justo afirmar que se trata de um fruto da  área leiteira onde os grandes criadores, antes de deitarem fora às partes “sem valor” dos animais, doavam aos menos favorecidos. Salesópolis, Santa Branca, Minas, todas as regiões criadoras desenvolveram o seu aproveitamento. Para aqueles que ainda não conhecem, cabe o convite para experimentá-lo e bom apetite!  
C/ Ciro do Valle/ 2006