A tradicional mistura de costela,
tempero e farinha de mandioca fez história. O porquê do nome afogado deve ser
tão improvisado como a própria descoberta. Para o bom provador existe até uma
técnica. Jamais se deve acompanhar o preparo. O mistério se estende à todo o
processo do abate, tempero e cozimento. Ainda sugere que o contato visual e
olfativo seja conhecido na hora da refeição e, de preferência, que ela ocorra
após o meio dia no apogeu na fome. Outra exigência dos “afogadeiros” é o
acompanhamento de uma boa cachaça e o cozimento em fornos de cobre sobre fogo a
lenha proporciona mais sabor ao prato. Da mesma forma a
“carne da costela” cedeu lugar ao acém.
Nos últimos anos, a inclusão de outros
ingredientes trouxe mais aparência e diversidade no sabor. De uma forma ou de
outra, o sabor característico do afogado vai ganhando espaço no meio gastronômico.
Sua origem é questionada. Os Salesopolenses, os Santa-branquenses e
Paraibunenses, (Se é que se pode tratá-los assim), defendem a sua autoria.
Querem a sua patente e fazem largo uso dessa iguaria. Afirmar que um ou outro
foi o inventor desse cardápio é incerto. Baseado na forma como era e é
difundido, o Afogado tem a mesma origem da feijoada. Seu real inventor não foi
preservado por ter a sua origem no seio da pobreza. Segundo relatos de
pioneiros, é fruto de improviso. Sua criação está ligada a mais indigna
miséria. Com o afastamento da cultura do café para o interior do Estado de São
Paulo, muitas famílias permaneceram nas regiões montanhosas das margens dos
Rios: Paraíba e Paraitinga; proletárias e sem reservas financeiras, tiveram
dificuldades em se adaptarem a nova realidade. O emprego das migalhas de carne
incrustadas nas carcaças de animais era a salvação dos pobres, assim como a
farinha de mandioca.
Afogado. Foto CV |
“A mandioca, após o período mínimo de crescimento
(dez meses e plantada entre julho e setembro), por ser uma raiz, pode ser
aproveitada em qualquer época, inclusive nos meses de entressafra”. Alzira de Oliveira, (1927-2012).
Dessa forma, a família numerosa e de baixa renda
que muito sofria, fazia o seu uso em larga escala. Os fazendeiros, conhecedores
do problema, lhes doavam as costelas e crânios de animais abatidos. Outro
produto disputado por essa classe era a víscera. A rês era assim dividida: os
mais abastados reservavam as melhores partes. A classe intermediária procurava
pela “barrigada de arrasto” (As
vísceras completas incluindo da língua às tripas) e, por último, a suã, o
crânio e mocotós que eram vendidos por preços irrisórios ou mesmo doados
atendendo as necessidades dessa gente. De posse dessas peças, ia o caboclo para
sua cabana e tratava as partes com sal antes de pendurá-las no fumeiro. Em
tempos de misérias, cozinhavam-se os restos e serviam com farinha de mandioca
existente em todas as fases do ano. Com o passar do tempo essa experiência
ganhou também outras classes sociais e passou a ser a alimentação para as
festas tradicionais devido ao seu baixo custo. O mesmo processo se aplica à
moda “Vaca atolada” onde raiz de raiz de mandioca é cozida diretamente com a
carne.
Sobre a sua autoria, é justo afirmar
que se trata de um fruto da área leiteira
onde os grandes criadores, antes de deitarem fora às partes “sem valor” dos
animais, doavam aos menos favorecidos. Salesópolis, Santa Branca, Minas, todas
as regiões criadoras desenvolveram o seu aproveitamento. Para aqueles que ainda
não conhecem, cabe o convite para experimentá-lo e bom apetite!
C/ Ciro do Valle/ 2006